Você, empresário ou gestor de RH, já acordou com aquela pulga atrás da orelha:
“E se eu dispensar alguém que está doente, mesmo legalmente, corro risco de ser acusado de discriminação?”
Pois bem — esse temor não é “teoria de advogado”. É algo que o Judiciário já vem decidindo, às vezes com reintegração, às vezes com pagamento de indenização pesada. Vou te mostrar por que isso pode ser mortal para sua reputação — e como agir para não virar protagonista num processo que você não queria.
Conheça a história do João, mas que poderia ser a de um empregado seu…
João, funcionário de uma engenharia, foi diagnosticado com lúpus. Ele pediu afastamento, fez tratamento e recebeu acompanhamento médico. No período de fragilidade, a empresa decidiu dispensá-lo “por decisão estratégica”. Ele processou a empresa e o juiz anulou a dispensa, mandou reintegrar João e condenou a empresa a pagar salários atrasados + danos morais. E a empresa acabou arcando com custos que jamais previu.
Esse tipo de caso não é ficção: decisões recentes demonstram que a Justiça do Trabalho assumiu um viés protetivo quando a doença é grave ou suscita estigma.
Qual é o fundamento legal e o que a lei proíbe?
- Lei 9.029/1995 – veda práticas discriminatórias em relação à contratação, manutenção ou demissão do empregado por motivo de saúde, doença, deficiência ou outras condições que possam gerar estigma ou preconceito.
- Constituição Federal – dignidade humana, valor social do trabalho, igualdade (arts. 1º, 3º, 5º).
- Súmula 443 do TST – “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”
Ou seja: na hipótese de demissão de empregado com doença grave, recai sobre o empregador o ônus de provar que a dispensa não teve motivação discriminatória.
O que é “doença grave que suscite estigma” e por que ela importa?
Nem toda enfermidade garante proteção automática, mas algumas doenças são entendidas pela jurisprudência como “gravemente estigmatizantes” — especialmente aquelas que socialmente carregam preconceito, temor ou discriminação.
Exemplos frequentemente citados:
- HIV / AIDS
- Câncer
- Doenças autoimunes mais graves (como lúpus)
- Hepatite
- Tuberculose ativa
- Alcoolismo grave (dependência)
- Distúrbios psiquiátricos que gerem preconceito
- Outras doenças que, no contexto, possam causar estigma
Por exemplo, o Tribunal Regional do Trabalho já reintegrou funcionária portadora de lúpus, com base na Súmula 443 — porque a empresa não demonstrou que a dispensa não foi motivada pela doença.
Outro caso: trabalhador diagnosticado com alcoolismo (doença reconhecida como grave pela OMS) teve reintegração e indenização por danos morais julgadas devidas.
Também há decisão do CSJT reconhecendo dispensa discriminatória quando o empregado com transtornos psicológicos foi dispensado durante tratamento, em usina de energia — determinou reintegração com base na Súmula 443.
Então: se a doença for “grave e com potencial estigmatização”, o Judiciário tende a presumir discriminação.
O que a jurisprudência exige da empresa? Riscos e provas necessárias…
- a) Ônus da prova
Uma vez que o trabalhador pressuponha a dispensa discriminatória (em razão de doença grave), cabe ao empregador demonstrar que o motivo da demissão foi outro, totalmente desvinculado da sua condição de saúde. Se não desincumbir, a dispensa poderá ser anulada ou convertida em reintegração ou indenização.
- b) Natureza da proteção: nulidade ou reparação
Se for reconhecida dispensa discriminatória:
- Pode haver nulidade do ato demissional, com reintegração do empregado ao quadro (status quo ante).
- Se a reintegração for impossível (porque a empresa fechou ou mudança de função inviabiliza), poderá haver indenização substitutiva, com pagamento de salários e benefícios desde a dispensa até a decisão.
- Além disso, indenização por dano moral é praticamente automática, em muitos casos, porque o dano à dignidade é considerado in re ipsa (ou seja, presume-se).
- Há casos também em que se determina pagamento em dobro da remuneração entre a data da dispensa e a decisão administrativa ou judicial (art. 4º, Lei 9.029/1995).
Consequências da dispensa discriminatória para seu negócio
- Obrigação de reintegrar empregado — ele volta e você “perdeu” vaga, pode ter que realocar ou pagar sobreposição.
- Pagamento de salários e benefícios retroativos (13º, férias, FGTS e demais reflexos) desde a data da dispensa até a reintegração.
- Danos morais elevados, que o juiz fixará segundo o porte da empresa, contexto, gravidade da discriminação — e que geralmente tem caráter pedagógico.
- Imagem negativa e desgaste público, especialmente se o caso vazar nas redes ou imprensa jurídica.
- Risco de precedentes dentro da empresa: se já houver histórico de dispensas em casos semelhantes, tende a haver agravamento.
Em suma: dispensar um empregado com doença grave sem preparação é um bilhete premiado para reclamação trabalhista.
Boas práticas para evitar risco: O “manual do RH blindado”
- Mapeie a saúde ocupacional
Saber quais empregados têm doenças graves ou crônicos permite antecipar cuidados legais. - Documente tudo
Avaliação de desempenho, advertências, reuniões, ofertas de readaptação: cada vez que a saúde aparece, ela deve constar e ser tratada com atenção. - Não use a doença como justificativa tácita
Evite mencionar “por causa da doença” no documento de demissão — isso dá munição ao advogado da parte contrária. - Consultoria jurídica prévia
Antes da demissão, checar com assessoria trabalhista se há risco de nulidade ou penalidade. - Negocie saída amigável se possível
Em casos sensíveis, pode valer mais cerrar acordo bem documentado e evitar litígio. - Treine RH e gestores
Para que não digam frases levianas (“você está sempre doente”) que sejam usadas como prova de discriminação. - Preparar plano B
Ter justificativas legítimas (reorganização, corte, falência de setor) bem estruturadas — mas não post hoc (após a demissão).
A proteção da sua empresa com uma assessoria jurídica especializada no Direito do Trabalho
Dispensa de empregado gravemente doente não é tema de amador. Um deslize, um documento mal redigido, uma justificativa mal pensada: e lá se vai sua segurança jurídica.