Ônus da prova quanto à jornada de trabalho
De acordo com a legislação trabalhista brasileira, em uma ação judicial, é do empregador o ônus de provar a jornada de trabalho quando possuir mais de 20 empregados, conforme o art. 74, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ou seja, se o empregado move uma ação trabalhista contra a empresa reclamando o pagamento de horas extras, se a empresa tiver mais de 20 empregados deve apresentar os cartões de ponto para confirmar o horário trabalhado.
Cartões de ponto podem ser impugnados
A Súmula 338 do TST nos faz lembrar que os cartões de ponto podem ser derrubados, na medida em que podem ser contestados por provas em contrário, geralmente prova testemunhal.
Segundo referida Súmula do TST, cartões de ponto com anotações britânicas podem ser invalidados.
Considerando que os cartões de ponto não são infalíveis, cada vez mais as empresas estão buscando formas alternativas de validar a jornada de trabalho.
Uma dessas alternativas é a geolocalização, uma tecnologia GPS disponível nos aparelhos celulares.
Através da referida ferramenta é possível verificar se o empregado estava realmente na empresa durante o período alegado de horas extras.
Validação da geolocalização
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao julgar o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 23218-21.2023.5.04.0000, deu um importante passo ao validar a geolocalização como prova da jornada de trabalho, representando um marco na modernização das relações trabalhistas.
O caso envolvia um trabalhador que pleiteava o pagamento de horas extras.
A empresa, em sua defesa, solicitou o envio de ofício às operadoras de telefonia, para que fornecessem os dados de geolocalização do empregado, a fim de confirmar sua presença no estabelecimento da empresa nos horários em que ele alegava estar trabalhando em sobre jornada.
Violação do direito à privacidade
O pedido foi deferido pelo juiz e o empregado impetrou um Mandado de Segurança, alegando que a medida violaria seu direito à privacidade, especialmente porque não havia restrições quanto a horários, finais de semana ou feriados, podendo resultar na exposição de informações acerca de sua vida pessoal.
O Tribunal Regional do Trabalho concedeu a segurança postulada pelo empregado requerente para cassar a decisão que determinou a produção da prova digital, sob o fundamento de que “a exigência dos dados de geolocalização do funcionário enseja evidente afronta à garantia fundamental da inviolabilidade das comunicações (conforme art. 5º, XII, da Constituição Federal – CF), bem como aos direitos à privacidade e à intimidade previstos no inciso X do mencionado dispositivo constitucional”.
A empresa então interpôs Recurso Ordinário contra o acórdão proferido pelo TRT, insistindo no deferimento da prova digital, alegando que o indeferimento prejudicava seu direito de defesa, e que não haveria violação à intimidade do trabalhador, já que não envolvia acessar mensagens pessoais, apenas confirmar a localização durante o período de alegadas horas extras.
Uso da geolocalização autorizada, mas em horários definidos
O TST, por meio da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, deu parcial provimento ao recurso da empresa, autorizando o uso da geolocalização apenas para os horários especificados, de forma a proteger a privacidade do trabalhador.
Em seu voto, o relator, ministro Amaury Rodrigues, considerou a geolocalização do aparelho celular uma prova adequada, pois permite determinar a localização do trabalhador durante o suposto período de jornada de trabalho por meio do monitoramento das antenas de rádio-base, e assim, determinar-se a real jornada de trabalho por ele realizada, se tratando, inclusive, de prova mais precisa e confiável do que o depoimento de uma testemunha.
Ressaltou, ainda, que o deferimento da prova digital não implica violação à privacidade ou ao sigilo telemático e de comunicações, previsto no art. 5º, inciso XII, da CF, tendo em vista que a proteção assegurada pela constituição é o de comunicação dos dados e não dos dados em si.
“Nenhum direito è absoluto”
O ministro relator frisou que nenhum direito é absoluto, e que havendo colisão, um deles deve ceder. No caso, entendeu-se que o direito à informação que viabilize o contraditório e a ampla defesa (CF, 5º, LV) deve sobressair, observados os limites inerentes ao direito à privacidade, sobre o direito à proteção de dados pessoais (CF, 5º, LXXIX) e ao sigilo de comunicações telefônicas e telemáticas (CF, 5º, XII).
Sendo possível filtrar as informações contidas nos relatórios de geolocalização, de modo que os dados sejam reduzidos ao específico espaço de interesse judicial estaria afastado o argumento de violação de sigilo ou privacidade, posto que a prova demonstrará apenas se o trabalhador estava, ou não, no local da prestação de serviços, sem trazer informações quanto a horários e locais não discutidos no processo.
Referida decisão é um marco do avanço na aceitação das provas digitais nos processos trabalhistas.
O uso da geolocalização facilitará a comprovação da jornada de trabalho dos empregados e ajudará a reduzir as condenações de empresas ao pagamento de horas extras.
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