Sim. A dispensa de empregado que sofre com embriaguez habitual pode ser reconhecida como dispensa discriminatória.
Está previsto na Constituição Federal de 1988 que cabe ao poder econômico respeitar alguns princípios como o valor social do trabalho, a dignidade humana e a função social da propriedade.
Com base nessa previsão constitucional, a 4ª Turma do TRT da 2ª Região reformou sentença de 1º grau e anulou a dispensa de um empregado da Mercedes-Benz que sofria de dependência de álcool.
A empresa alegou, em sua defesa, que apenas exerceu seu direito potestativo em função de uma crise econômica. Afirmou, ainda, que o trabalhador não estava incapacitado no momento do desligamento o que, por si só, afastaria a tese de nulidade da demissão.
No entanto, restou comprovado que o trabalhador passou por internação para reabilitação, seguida por tratamento ambulatorial de dependência química, que somente foi interrompido em razão da rescisão do contrato de trabalho. Ainda, foi demonstrado que o empregado frequentava um grupo interno de ajuda a dependentes químicos mantido pela empresa e que portanto tinha conhecimento da situação daquele colaborador.
O desembargador-relator Ricardo Artur Costa e Trigueiros ao fundamentar sua decisão cita o reconhecimento da condição pela ONU como doença sem cura, passível apenas de controle. “Assim, constatada a dependência química e, a despeito de seus reflexos negativos na prestação do trabalho, não cabe a resolução do vínculo, nem mesmo sob a forma de dispensa imotivada”.
Os Desembargadores entenderem que a situação foi agravada pela forma como o trabalhador foi dispensado que lhe causou “transtornos psicológicos muito maiores que os meros dissabores da rotina laboral”.
Além do mais, a Turma do TRT arbitrou que a empresa deverá indenizar o trabalhador em R$ 10 mil por danos morais.
Declarada a nulidade da rescisão do contrato de trabalho, o empregado terá direito a retornar ao trabalho e receber todos os valores relativos a salário, férias, 13º, entre outros, que seriam devidos da data da dispensa até a efetiva reintegração ao quadro de trabalhadores da empresa.
Mas não está previsto na CLT (art. 482, alínea f) que é motivo para demissão por justa causa a embriaguez habitual ou em serviço?
Sim, assim prevê a legislação.
Contudo, antes de maiores discussões, importante entender qual a diferença entre embriaguez habitual e embriaguez no serviço.
Quando o legislador estabeleceu a embriaguez habitual ou em serviço como sendo um motivo para justa causa, baseou-se na proteção do trabalhador que, trabalhando em estado de embriaguez, poderia sofrer um prejuízo maior que a despedida motivada, ou seja, um acidente grave que pudesse ocasionar a própria morte.
Em contrapartida, esse empregado ainda poderia provocar acidentes ou a morte de outros colegas de trabalho, os quais estariam dependentes de atitude do empregador para se evitar uma fatalidade.A embriaguez habitual (crônica) constitui um vício ou até mesmo uma enfermidade em razão da reiteração do ato faltoso por parte do empregado, podendo ocorrer tanto dentro quanto fora do ambiente da empresa.
A embriaguez “no serviço” (ocasional) ocorre necessariamente no ambiente de trabalho
Entretanto, a embriaguez habitual tem sido encarada pela jurisprudência mais como enfermidade do que como vício social, o que, perante a Justiça do Trabalho, merece um tratamento e acompanhamento médico antes de se extinguir o contrato por justa causa.
Quanto à embriaguez “no trabalho” ou ocasional, o empregador, exercendo seu poder fiscalizador e de punição, poderá adotar penas mais severas contra o empregado, em se verificando a falta de interesse por parte deste na manutenção do contrato de trabalho.
Se a embriaguez habitual é tida pela jurisprudência como doença e não mais como motivo para justa causa, a CLT merece reforma em seu artigo 482, alínea f, já que este tipo de demissão irá depender da comprovação da habitualidade, na medida em que, além de aumentar os riscos de causar acidentes, há os riscos do empregado embriagado causar sérios prejuízos materiais ao empregador, seja por perda de matéria-prima numa falha operacional ou por danos na utilização de máquinas, ferramentas ou equipamentos de trabalho.
Daí é de se indagar: será que o empregador poderia, havendo estes prejuízos materiais, demitir o empregado por justa causa pelos danos causados e não pelo fato da embriaguez?
Nesta hipótese, será que a justa causa ainda poderia ser revertida no tribunal pela falta de assistência ao empregado?
Em meio a essa discussão entre a lei x jurisprudência, está o empregador que, usando seu poder diretivo, poderá demitir o empregado de imediato e assumir o risco de ter revertida a justa causa, caso se comprove que a embriaguez era crônica e não ocasional.
Se houver a reversão da justa causa perante a Justiça do Trabalho, o empregador poderá ainda ser condenado a arcar com uma indenização por dano moral, ao pagamento de todas as verbas rescisórias equivalentes a uma demissão sem justa causa e ainda ser condenado a reintegrar o empregado para que este faça o tratamento na busca de sua reabilitação para o trabalho.
Diante das discussões e para evitar maiores riscos trabalhistas, alternativa à empresa seria incluir o empregado no programa de recuperação de dependentes alcoólicos (caso a empresa tenha um programa voltado a dependentes químicos) ou afastá-lo do trabalho e encaminhá-lo para o INSS, a fim de que este tenha a oportunidade de se reabilitar antes de tomar uma decisão inadvertida.
A aplicação de advertência e suspensão disciplinar também são meios que o empregador pode fazer uso como tentativa de reverter o comportamento do empregado.
O entendimento dos tribunais, em qualquer das situações de dependências químicas no ambiente de trabalho, é de que cabe ao empregador esgotar os recursos disponíveis para promover e preservar a saúde do trabalhador.
Várias são as decisões em que a dispensa por justa causa baseada na embriaguez é descaracterizada, condenando a empresa no pagamento de verbas decorrentes de uma dispensa imotivada, bem como estabelecendo a reintegração do empregado desligado, a fim de que este possa fazer o devido tratamento.
E se após um período de tratamento o empregado não se recuperar ou se depois do retorno do INSS voltar a se apresentar embriagado para o trabalho, o empregador pode demiti-lo por justa causa?
A empresa não tem a obrigação de manter o contrato de trabalho com um empregado considerado capacitado para o trabalho, ou seja, poderá demiti-lo sem justa causa a qualquer momento, desde que pague os direitos rescisórios decorrentes da dispensa imotivada.
Entretanto, em se tratando de casos de doença decorrentes de dependência química e sob a ótica dos princípios constitucionais como a valorização do trabalho humano, a função social do contrato, a dignidade da pessoa humana entre outros que norteiam esta relação, da mesma forma que a empresa se beneficiou da mão de obra deste empregado enquanto esteve capacitado, tem o dever de tentar com que ele recupere sua condição de saúde antes de qualquer despedida arbitrária ou mesmo motivada.
Sempre que se deparar com uma situação semelhante, convém ao empregador se cercar de provas de modo a demonstrar que utilizou de todas as medidas para a recuperação do empregado e a manutenção do contrato de trabalho.
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Melissa Noronha Marques de Souza é sócia no escritório Noronha e Nogueira Advogados.
Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie e em Coaching Jurídico pela Faculdade Unyleya
Com formação em Professional & Self Coaching, Business and Executive Coaching e Analista Comportamental pelo Instituto Brasileiro de Coaching – IBC.
É membro efetivo da Comissão Especial de Advocacia Trabalhista OAB/SP.
É membro efetivo da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados OAB/SP.